terça-feira, julho 22, 2008

Sobre o amor

“- É tão bom estar contigo como ter saudades tuas – dizia-me ela a rir, quando estávamos algum tempo sem nos ver.
Via-se que não queria criar comigo qualquer espécie de dependência e a única coisa que esperava de mim era o meu afecto e a minha paz. Nunca quis a chave de minha casa e telefonava-me sempre antes de vir. Uma vez por outra, ficava a noite comigo mas, logo de manhã, metia num saco tudo o que pertencia e saía para a vida dela.
- Isto para mim é muito simples – explicava. – Faz-me impressão como as pessoas são capazes de viver doutra maneira. Eu não preciso nem do teu dinheiro nem da tua casa. A verdade é que há quarenta anos que vivo sem ti. As pessoas têm que descobrir que viver o amor é qualquer coisa diferente dos jogos, normalmente perversos, do seu ego carenciado. Eu gosto muito de ti mas tenho a consciência de que há em mim um destino meu e que grande parte das teorias sobre a dualidade são justificações para a nossa terrível tentação de dependência. Gostamos de andar encostados uns aos outros e não há maneira de nos curarmos disso. O que temos de aprender não é com um outro, é com os outros. Se eu te dissesse que eras a razão da minha vida, estava a mentir-te. Tu dás-me muito e eu gosto muito de ti. Estou farta de te dizer que gosto do teu carinho e que nenhum homem me deu a paz que tu me dás. E é isso que dá prazer e faz, do fazer amor contigo, o prazer que nunca ninguém me deu ainda. A gente demora a libertar-se desta coisa de o desejo tomar as iniciativas. Hoje, para mim não é o desejo que comanda o amor: bom é o desejo que o amor provoca.”
(António Alçada Baptista in O Riso de Deus)


Cada vez mais o amor confunde-se com carência, dependência, exigência ou posse, quando de facto deveria ser uma dádiva, um sentimento para ser vivido e sentido como resultado (e também causa) de uma pacificação e serenidade interior. O amor não deveria necessitar de se transformar num acto pensado ou de ser dissecado pela razão.
Apesar de sabermos tudo isso, continuamos constantemente a querer complicar o que deveria permanecer puro e simples. Fica a esperança que a vida nos ensine a vivê-lo mais serenamente e assim desfrutar da sua essência mais autêntica, sem ansiedades escusadas e medos condicionantes.

terça-feira, julho 15, 2008

Magia da Musica

O fim-de-semana foi de música. Rumo a Algés, em Oeiras, às portas de Lisboa, o Festival OptimusAlive trazia-me dois músicos que me dizem imenso: Bob Dylan e Neil Young. Há umas semanas parecia-me quase impossível comparecer, mas afinal consegui lá estar e assisti ao vivo a estas duas referências musicais, ao mesmo tempo que pude descobrir outros sons e confirmar a qualidade de Ben Harper que há muito me vem despertando curiosidade.

Dylan foi igual a si próprio. Talvez eu seja muito suspeito a falar dele, pois há muitos anos que sigo a carreira dele, posso considerar-me um fã incondicional dele, mas a verdade é que este foi mais um concerto que não vou esquecer. Já o tinha visto ao vivo em três outras ocasiões, mas em todas elas existe algo de novo, uma reinvenção contínua da música, sem nunca perder a sua personalidade característica, quer se goste ou não.
Pena foi que não tivesse pegado na guitarra e tenha ficado pelo teclado, tal como em 2004 em Vilar de Mouros, mas sem dúvida que a sua presença no palco faz esquecer aquilo que são os nossos desejos. Até porque com ele, devemos estar sempre preparados para as surpresas. E assim foi, por exemplo, na reinvenção do “Girl From North Country” numa sonoridade completamente diferente da tradicional.
Há muito que Dylan percebeu que os concertos ao vivo são momentos únicos, há muito que percorre o planeta em digressão naquilo que um dia chamou de “Never Ending Tour”. Na sexta-feira passada passou por Portugal de novo, e apesar dos seus 67 anos, provou que ainda consegue criar e recriar como poucos.


No Sábado, a minha expectativa era grande. Nunca tinha tido a oportunidade de assistir a um concerto de Neil Young. Desta vez, consegui chegar cedo e ficar na primeira fila apesar das longas horas que tive de ficar naquele lugar de pé. Valeu bem a pena, um concerto memorável em que o músico canadiano demonstrou que ainda mantém uma energia fantástica. Os solos de guitarra foram longos e soberbos. Alternando entre o eléctrico e o acústico, passou ainda pelo órgão para um “Mother Earth” tocante.
Cativou o público de princípio a fim através de uma prestação que tão cedo penso que ninguém esquecerá. Nas cerca de 2 horas em palco, demonstrou a sua excelência como guitarrista, fazendo esquecer que já conta com 62 anos.
E se a minha expectativa inicial era grande, Neil só conseguiu surpreender-me ao ultrapassa-la por larga margem. Conquistou-me!


Para o final do festival, Ben Harper convenceu-me. A mim e a todos os que esperaram por ele após aquela actuação de Neil Young. Ficou provado o excelente músico que é e a empatia que conseguiu manter com o público que o emocionou por várias vezes. O final foi como muitos o desejavam, com “Boa Sorte/Good Luck” cantado em dueto com o próprio público na falta de Vanessa da Mata.

Na sexta tive ainda a oportunidade de ver o final de John Buttler Trio, foi pena só ter conseguido assistir ao fecho do concerto, pois tinha enorme vontade de os ver. O pouco que vi, convenceu-me. É para repetir. No sábado descobri ainda Braddigan, Xavier Ruud e Donavon Frankenreiter, todos eles de qualidade muito boa.

Na viagem de regresso ao Porto, pela madrugada dentro, trouxe comigo a magia da música: o reencontro com Dylan, o arrebatamento de Neil e a confirmação de Ben.